PRÁTICA ABUSIVA PERANTE O CONSUMIDOR

Cláusula de fidelização. Novo entendimento dos Tribunais.

Esse breve artigo, tem o condão de mostrar a definição que o Código de Defesa do Consumidor – CDC trouxe para pratica abusiva, bem como o rol exemplificativo de práticas abusivas que são vedadas nas relações de consumo. E, igualmente, mostrar que a clausula de fidelização é licita (segundo entendimento jurisprudencial), contudo, a cobrança da multa deve obedecer parâmetros. 

Cediço, que o histórico de supremacia do fornecedor fez com que o CDC pudesse criar um equilíbrio entre os dois polos contratuais (contratante e contratado). E o Código consumerista, estabeleceu em seu artigo 39, vedações abusivas pelo fornecedor, a saber:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;                  (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.                (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

XI –  Dispositivo  incluído pela MPV  nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso  XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999

XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.              (Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.            (Incluído pela Lei nº 9.870, de 23.11.1999)

XIV – permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.                   (Incluído pela Lei nº 13.425, de 2017)

Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

A PRÁTICA ABUSIVA em sentido amplo, é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. Nesse sentido amplo, trata-se de qualquer comportamento que atende contra a boa-fé objetiva. E tal como definida, percebe-se que a prática assim se amolda à ideia de abuso de direito, vedada pelo Direito Civil que o considera modalidade de ato ilícito em seu art. 187.  

Quanto ao momento em que se manifestam no processo econômico, as práticas são produtivas ou comerciais. Nesse sentido, podem ser:  

a) práticas abusivas pré-contratuais: antes da conclusão do contrato; Exemplo é o que acontece quando o fornecedor coloca produto à disposição por meio de venda casada; ou quando limita o número de produtos que podem ser adquiridos (art. 39, I, CDC – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos).  

b) práticas abusivas no termo dos contratos: aquelas presentes no próprio conteúdo do instrumento contratual; usualmente por meio de cláusulas abusivas. E por ai já se percebe a distinção entre prática abusiva (termo mais amplo) e cláusula abusiva (modalidade de prática abusiva). É exemplo a cláusula que exonera o fornecedor, previamente, de qualquer responsabilidade referente à defeito/vício do produto ou serviço.  

c) práticas abusivas na execução do contrato: naqueles contratos em que a execução não é imediata, prolongando-se no tempo, é possível que o fornecedor deixe de atender requisitos impostos pelo sistema. Por exemplo, o empreiteiro que, durante a realização da obra, deixa de informar o cliente/consumidor acerca do andamento da empreitada.  

d) práticas abusivas pós-contratuais: são as que se manifestam após a execução do contrato. Veja-se que o contrato, a relação contratual, se extingue, mas seus efeitos não. Correto dizer, assim, que em nosso atual sistema, os efeitos contratuais não se exaurem com o fim do contrato. Persistem, desta forma, os deveres decorrentes dos princípios de boa-fé e lealdade (bem como da visão da relação obrigacional como processo). No campo do consumo, é exemplo a vedação para o fornecedor de repassar informação depreciativa referente ao consumidor no exercício de seus direitos (art. 39, VII, CDC) ou, ainda, a obrigação de prestar informações e esclarecimentos mesmo depois da venda.  

No que pese a Cláusula de fidelidade, a pergunta que se faz, é legal? Para exemplificar, trazemos à baila o atual posicionamento quanto a clausula de fidelização cobrada pelas operadoras de Telefonia Móvel.

Isto porque, considerando a enorme quantidade de linhas telefônicas no pais, atualmente, muitos consumidores questionam se as cláusulas de fidelidade constantes nos contratos de prestação de serviços de telefonia móvel são legais !!!

A resposta é positiva, pois não há ilegalidade neste tipo de previsão, conforme tem entendido os tribunais pátrios.

Neste sentido temos,

  1. COBRANÇA DE MULTA DE FIDELIDADE, POR QUEBRA DE CONTRATO DE TELEFONIA. DECISÃO QUE INDEFERE PLEITO DE EXCLUSÃO DO NOME DA AUTORA DE CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. INSURGÊNCIA DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA. INSUBSISTÊNCIA. OPERADORA QUE APRESENTOU, COM A CONTESTAÇÃO, CONTRATO DE PERMANÊNCIA CELEBRADO EM JULHO/2017, COM CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO DE 24 MESES, A TÍTULO DE CONTRAPRESTAÇÃO PARA CONCESSÃO DE “DESCONTO DIFERENCIADO”. AUTORA QUE CONFIRMA A PORTABILIDADE DE LINHAS TELEFÔNICAS MÓVEIS EM OUTUBRO/2017. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO NÃO DEMONSTRADA. RECURSO DESPROVIDO.

“[. . .] firme a jurisprudência do STJ de que a chamada cláusula de fidelização em contrato de telefonia é legítima, na medida em que se trata de condição que fica ao alvedrio do assinante, o qual recebe benefícios por tal fidelização, bem como por ser uma necessidade de assegurar às operadoras de telefonia um período para recuperar o investimento realizado com a concessão de tarifas inferiores, bônus, fornecimento de aparelhos e outras promoções” (REsp nº 1445560/MG, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16/6/2014).

(TJ-SC – Agravo de Instrumento Blumenau 4030444-75.2018.8.24.0000. Publicação: 29/08/2019);

  • SERVIÇODE TELEFONIA MÓVEL. CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO. PERÍODO DE PERMANÊNCIA MÍNIMA. MULTA CONTRATUAL. VALIDADE. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. 1. Carece de interesse recursal a parte que se insurge contra matéria de que não foi sucumbente no juízo a quo. 2. É lícita a cláusula de fidelização em contrato de telefonia, na medida em que se trata de condição que fica ao alvedrio do assinante, que recebe em troca benefícios, além de assegurar às operadoras de telefonia um período mínimo para recuperar o investimento realizado com a concessão de tarifas inferiores, bônus, fornecimento de aparelhos e outras promoções. Precedentes do STJ e do TJGO. 3. Comprovado que o consumidor não observou sequer o período mínimo de permanência do contrato de 12 (doze) meses, é válida a cobrança da multa contratual pelo descumprimento da cláusula de fidelização. 4. Impõe-se a inversão, por inteiro, dos ônus sucumbenciais, quando um litigante decair de parcela mínima da pretensão. Inteligência do art. 86 , parágrafo único , do CPC . 5. APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE CONHECIDA E PROVIDA.

(TJ-GO – Apelação (CPC) 01173400220178090051. Publicação: 28/01/2019).

Todavia, os consumidores devem ficar atentos, pois a multa, caso queiram rescindir o contrato antes de terminado o prazo de fidelidade não é devida, se o serviço não foi prestado adequadamente.

  1. Serviço de telefonia móvel. Contrato que contempla cláusula de fidelização. Resolução antecipada de acordo devido a cobrança de valores diferentes dos pactuados. Prestadora de serviços que agiu com desídia por mais de ano e não resolveu o problema com o cliente. Descumprimento contratual caracterizado, que torna a multa rescisória indevida. Recurso desprovido.

(TJ-SP – Apelação Cível AC 10091978020188260664. Publicação: 17/06/2019).

  • EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – PLANO CORPORATIVO DE TELEFONIA MÓVEL – RELAÇÃO CONSUMO – APLICAÇÃO CDC – ENCERRAMENTO DO CONTRATO ANTES DO TÉRMINO DA FIDELIZAÇÃO – FALHA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR PARTE DA EMPRESA DE TELEFONIA – MULTA FIDELIZAÇÃO – PREVISÃO CONTRATUAL IMPOSTA SOMENTE AO CONSUMIDOR – INTERPRETAÇÃO NO SENTIDO DE CONFERIR IGUAL RESPONSABILIDADE À PRESTADORA DE SERVIÇOS – MULTA DEVIDA. Aplicando-se a teoria finalista mitigada, é de consumo a relação entre a empresa que firmou contrato de prestação de serviços de telefonia e a empresa de telefonia contratada. A aplicação de multa por rescisão antecipada da avença somente em desfavor do consumidor fere o princípio da boa-fé objetiva e da equidade, pois confere ao fornecedor posição contratual superior à experimentada pelo consumidor.

Assim, a fim de equalizar a posição contratual entre as partes contratantes, a clausula de fidelização em contrato de telefonia, prevista exclusivamente em favor da prestadora de serviços, deve ser aplicada em favor do consumidor, uma vez comprovada a falha de prestação de serviços por parte da empresa de telefonia.

(TJ-MG – Apelação Cível AC 10079099703229001. Publicação: 23/11/2018)

Outrossim, deve ter havido, no momento da contratação, um benefício em favor do consumidor, como por exemplo, descontos na aquisição do aparelho telefônico ou no valor da mensalidade. Ou seja, a ausência desses benefícios, em relação a outras modalidades de planos, não permite que a clausula de fidelização seja exigida.

PERGUNTA

A Empresa FIELTELECON atua no ramo de telefonia móvel. Em seus contratos, insere a chamada cláusula de fidelização por meio da qual os seus clientes, para obterem descontos nos seus planos e na aquisição de aparelhos celulares, devem permanecer pelo menos 12 meses com o serviço contratado. Neste período, caso haja desistência por parte do consumidor, incidirá multa de 50% do valor que seria normalmente pago até o fim da vigência. Esta prática pode ser considerada abusiva? Por que?

RESPOSTA

A questão é polêmica. Eram, basicamente, duas formas de ver: primeiro, no sentido de que há liberdade contratual para as partes assim reger suas relações; segundo, afirmando-se que em se tratando de contrato de adesão, a medida seria abusiva. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, e os Tribunais pátrios, veem decidindo no mesmo sentido a questão, e aceitando a fidelização, desde que dela decorressem efetivos benefícios para o consumidor, tais como: custo reduzido para a realização de chamadas, abono em ligações de longa distância, baixo custo de envio de short message service – SMS etc.

“É firme a jurisprudência do STJ de que a chamada cláusula de fidelização em contrato de telefonia é legítima, na medida em que se trata de condição que fica ao alvedrio (livre vontade) do assinante, o qual recebe benefícios por tal fidelização, bem como por ser uma necessidade de assegurar às operadoras de telefonia um período para recuperar o investimento realizado com a concessão de tarifas inferiores, bônus, fornecimento de aparelhos e outras promoções”, pontuou a decisão de um dos casos (STJ. REsp 1445560).

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